16.10.12


 


 

O MONGE E O GONGO


 


 

        Aquela figura de cabeça raspada e túnica sulferina entrou no trem, em Soledade de Minas; levava consigo um pacote redondo, parecia pesado, pois o fulano carregava-o com dificuldades. Para variar, o trem que deveria estar no local – 13h23m – estava atrasado. O monge – vamos chamá-lo assim -, com seu olhar plácido, pedia o apoio de alguém, para ajudá-lo na difícil tarefa de entrar no vagão e transitar no corredor, com aquele volume de grandes proporções e mais a sua bagagem.


 

        Ninguém se manifestou. O monge com extrema dificuldade conseguiu chegar ao seu assento do lado do corredor, colocou a sua bagagem no compartimento superior e o pacote redondo entre suas pernas. Como acontece sempre na rede ferroviária, os horários são extremamente precisos, porém nunca cumpridos. O trem estava parado aguardando a chegada de outro, que viria de Santos Dumont, MG. Quem deveria embarcar, já estava dentro, menos o bilheteiro e o maquinista chefe. Eis que surge um funcionário da estação, acenando com uma bandeirinha verde para o maquinista; era o sinal para dar partida. O chefe ganhou seu posto e preparou-se para seguir viagem. Muita fumaça, o sino tocando e com um solavanco, o trem partiu. Foi aí que o pacote do monge escapou-lhe das mãos e pernas e foi rolando em busca da porta de saída, que continuava aberta, caiu pelos três degraus abaixo e foi em direção ao primeiro vagão; todo mundo estarrecido observava a cena, o gongo bateu na lateral da locomotiva e nenhum passageiro arriscou dar um pio. O monge, numa mescla de idiomas, amaldiçoava todos os presentes. Por sua vez, o maquinista tentou dar ré e o pior aconteceu: amassou de uma vez por todas o gongo e toda esperança que o monge tinha de recuperá-lo. O maquinista arriscou um sorry mineiro, tarde demais o monge já estava no espaço reservado ao maquinista,mexendo nas alavancas,tocou o sino,deu ré,foi para a frente,estraçalhou de vez o gongo, soltou-se dos outros vagões, puxou a cordinha do apito e partiu em direção ao primeiro túnel perto da estação,a bocarra escura e aberta do buraco esperando a locomotiva e o único tripulante gargalhando pelo feito, não percebeu a troca de trilhos e adentrou o buraco negro na contramão.O último estrondo que o povo de Soledade de Minas ouviu foi do big-bang engolido pelas cores do Horizonte de Eventos,traído pelo "Black Hole".Dizem q. aquela estrela da constelação de hipopótamus q. nunca se apaga é o monge e seu lustroso gongo.


 

Ige D'Aquino

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